"Foi no sábado 4 de março de 1933, um dia nublado de final de inverno no hemisfério norte em Washington, D.C., que Franklin D. Roosevelt fez o juramento de posse na presença de Charles Evans Hughes, o presidente da Suprema Corte. Após a cerimônia, o novo presidente dos Estados Unidos fez um discurso de vinte minutos que foi transmitido por rádio para dezenas de milhões de ouvintes em todo o país. O discurso, hoje mais lembrado por causa da afirmação de Roosevelt de que “a única coisa que temos a temer é (...) o próprio medo”, concentrou-se quase inteiramente nos objetivos da política doméstica, os quais dominaram a campanha e ajudaram Roosevelt a obter uma vitória esmagadora sobre o candidato à reeleição, o republicano Herbert Hoover. Tudo isso, por uma boa razão: com os Estados Unidos nas profundezas da pior depressão econômica da história do país, a proposta doméstica de Roosevelt não podia ter sido mais premente.
Apenas um curto parágrafo do pronunciamento foi dedicado à questão das relações exteriores. No entanto, essa digressão — e a analogia poderosa que continha — lançaria um dos programas mais importantes da história da política externa americana. “No campo da política internacional”, disse Roosevelt aos conterrâneos, “eu dedicaria esta nação à política de boa vizinhança (...) o vizinho que respeita firmemente a si próprio e, por fazê-lo, respeita os direitos dos outros (...) o vizinho que respeita as suas obrigações e a inviolabilidade de seus compromissos internos e com o conjunto de seus vizinhos.”1
O comentário breve, porém incisivo, de Roosevelt refletia as mesmas preocupações domésticas que ele destacara no resto de seu discurso, mas sob um ângulo diferente. No cerne do comentário — e no centro da Política de Boa Vizinhança resultante — estava o princípio da não intervenção e da não interferência nos assuntos internos dos países latino-americanos. No entanto, os objetivos de Roosevelt não eram altruístas. No âmbito dessa política, os Estados Unidos desenvolveram trocas mutuamente benéficas com os países da América Latina, na esperança de também criar novas oportunidades comerciais entre os americanos e seus vizinhos do sul, aprofundando, assim, sua influência na região.
O secretário de Estado dos Estados Unidos, Cordell Hull, foi designado para realizar a tarefa de tornar a declaração do presidente realidade através do desenvolvimento de relações mais estreitas entre as 21 repúblicas das Américas. Desde o início, essa empreitada não se mostrou uma tarefa fácil. Na maioria dos países da América Central e do Sul havia uma profunda desconfiança com relação aos objetivos e às intenções dos Estados Unidos, que até 1933 poderiam ser caracterizados como essencialmente exploradores e interessados sobretudo em dividir e governar toda e qualquer região que conseguissem. Hull lamentou a “herança de má vontade” dos Estados Unidos, afirmando que “ela foi comprovada por intervenções (...) Atrelado ao antagonismo político estava o ressentimento econômico. As altas tarifas do governo anterior, juntamente com a quebra da bolsa em 1929, trouxeram graves dificuldades econômicas para os países da América Latina”.2 Os problemas dos Estados Unidos haviam se espalhado para seus vizinhos do sul e agravado os já efervescentes ressentimentos com políticas consideradas paternalistas e egoístas.
[in Brasil: Os frutos da Guerra de Neil Lochery]