— Bonjour Messieurs. Service de la navigation de la Seine, Arrondissement Champagne, sou o cabo Levec — falou ele rapidamente.
Era perceptível como o homem amava sua posição. Perdu estava quase esperando que o cabo Levec lhe desse uma multa pelo abandono não autorizado da própria vida.
— Infelizmente, sua placa de Navegação Fluvial Francesa não está visível. E peço que o senhor me mostre os coletes salva-vidas obrigatórios, por favor. Obrigado.
— Vou ali limpar umas janelas — disse Jordan.
Quinze minutos, uma reprimenda e uma multa depois, Monsieur Perdu esvaziou o caixa e o dinheiro que tinha nos bolsos em troca de uma placa de navegação em águas francesas, um conjunto de coletes salva-vidas neon, que eram obrigatórios nas eclusas do Ródano, e uma edição oficial das diretrizes da NFF. Mas o dinheiro não foi suficiente.
— Então — disse o cabo Levec. — O que fazemos agora?
Havia um brilho de satisfação em seus olhos?
— Por acaso o senhor gosta de ler? — perguntou Perdu, e sentiu que murmurava envergonhado.
— Claro. Não considero correto esse costume bobo de botar no mesmo barco homens que leem e fracotes e afeminados — respondeu o gendarme fluvial, enquanto acariciava Kafka, que fugiu dele com a cauda empinada.
— Posso oferecer talvez um livro… ou alguns livros como saldo do pagamento?
— Bem, posso levá-los em troca dos coletes. Mas o que fazemos com a multa? E como os senhores querem pagar a taxa de detenção? Não tenho certeza se os proprietários da marina são muito… fanáticos por livros. — O cabo Levec pensou um pouco. — Sigam os holandeses. Eles sabem onde almoçar e atracar de graça.
Quando passaram pelas estantes de livros no ventre de Lulu para que Levec pudesse escolher o pagamento do saldo, o cabo da NFF virou-se para Max, que polia a janela ao lado da poltrona de leitura e evitava olhar diretamente para o gendarme.
— Ei, o senhor não é aquele escritor famoso?
— Eu? Não. Com certeza não. Eu sou… hum… — Jordan olhou rapidamente para Perdu — … filho dele, um vendedor de meias esportivas totalmente normal.
Perdu encarou-o. Jordan havia acabado de se oferecer para adoção?
Levec pegou A noite de uma pilha. O gendarme examinou a imagem de Max na orelha do livro.
— Tem certeza?
— Hum… talvez seja eu, sim.
Levec deu de ombros, compreensivo.
— Claro. Com certeza o senhor tem muitas fãs.
Max mexeu nos protetores de orelha que trazia ao redor do pescoço.
— Sei lá — murmurou ele. — Pode ser.
— Bem, minha ex-noiva amou seu livro. Falava dele sem parar para mim. Pardon, digo, o livro do camarada que parece com o senhor. Talvez o senhor pudesse… escrever o nome dele aqui?
Max assentiu.
— Para Frédéric — ditou Levec —, meu grande amigo.
Max escreveu a dedicatória com dentes cerrados.
— Ótimo — disse Levec, e abriu um sorriso para Perdu. — Seu filho também vai pagar a multa?
Jean Perdu assentiu.
— Mas é claro. Ele é um bom rapaz.
Depois de Max esvaziar os bolsos e entregar algumas notas e moedas de pouco valor, os dois ficaram lisos. Com um suspiro, Levec pegou outras publicações recentes “para os colegas” e um livro de receitas, Cozinha para solteiros.
— Espere aí — pediu Perdu.
Em seguida, pesquisou rapidamente a seção “Amor para principiantes” e pegou a autobiografia de Romain Gary.
— Para que isso?
— O que o senhor quer saber é o que isso cura, caro cabo — corrigiu Perdu com delicadeza. — Cura a decepção de saber que nenhuma mulher nos ama mais do que aquela que nos deu à luz.
Levec enrubesceu e saiu bem rápido do barco-livraria.
— Obrigado — sussurrou Max.
Quando o barco da gendarmerie se foi, Perdu teve mais certeza ainda de que romances sobre fugitivos e aventureiros fluviais deixava de fora coisas tão banais como selos tributários e multas por coletes salva-vidas.
— O senhor acha que ele vai contar para alguém que estou aqui? — perguntou Jordan quando o barco policial se afastou.
— Por favor, Jordan. O que há de tão terrível assim em conversar com algumas fãs ou com a imprensa?
— Eles podem perguntar em que estou trabalhando? [in A Livraria Mágica de Paris de Nina George]