|
Primavera Lituana, by Lina Angélica Gumauskas |
"Um hábito que Dom Fabrizio voltou a cultivar após reaver a serenidade foi das leituras noturnas. No outono, depois do Rosário, como já estava muito escuro para sair, a família se reunia em torno da lareira à espera do jantar, e o Príncipe lia para todos um romance moderno, em capítulos; e de todos os seus poros jorrava uma digna benevolência.
Aqueles eram precisamente os anos em que, por meio dos romances, iam se formando os mitos literários que ainda hoje dominam as mentes europeias; mas a Sicília, em parte por sua tradicional impermeabilidade ao novo, em parte pelo difuso desconhecimento de qualquer língua, em parte ainda - é preciso dizer - pela opressiva censura borbônica que agia nas alfândegas, ignorava a existência de Dickens, Eliot, Sand e Flaubert, até de Dumas. É verdade que, por meio de alguns estratagemas, um par de volumes de Balzac havia chegado até as mãos de Dom Fabrizio, que se atribuíra o encargo de censor familiar; ele os lera e em seguida emprestara, insatisfeito, a um amigo de quem não gostava, dizendo que eram fruto de um engenho sem dúvida vigoroso, mas extravagante e "fixado" (hoje teria dito "monomaníaco"); julgamento apressado, como se vê, mas não desprovido de certa agudeza. Portanto, o nível das leituras era muito baixo, condicionado que estava ao respeito pelo pudor virginal das donzelas, pelos escrúpulos religiosos da Princesa e pelo senso de dignidade do próprio Príncipe, que se recusaria a ler "porcarias" a seus familiares reunidos." [in "Leopardo" de Giuseppe Tomasi di Lampedusa]