domingo, 26 de abril de 2020

Autobiografía


 Autobiografía
Gabriel Celaya

No cojas la cuchara con la mano izquierda.
No pongas los codos en la mesa.
Dobla bien la servilleta.

Eso, para empezar.
Extraiga la raíz cuadrada de tres mil trescientos trece.
¿Dónde está Tanganika? ¿Qué año nació Cervantes?
Le pondré un cero en conducta si habla con su compañero.

Eso, para seguir.
¿Le parece a Ud. correcto que un ingeniero haga versos?
La cultura es un adorno y el negocio es el negocio.
Si sigues con esa chica te cerraremos las puertas.

Eso, para vivir.
No seas tan loco. Sé educado. Sé correcto.
No bebas. No fumes. No tosas. No respires.
¡Ay sí, no respires! Dar el no a todos los «no».

Y descansar: Morir.


sábado, 25 de abril de 2020

Interessante

[ ... ]
"– Deixa que atendo aqui – disse Poirot. Tenho certeza de que não é nada interessante. Mas, de qualquer maneira – encolheu os ombros –, servirá para passar o tempo. Quem sabe?
– Está bem, Sir – disse George, e saiu da sala. Poirot estendeu a mão e tirou o fone, fazendo cessar o tilintar da chamada.
– Hercule Poirot – disse com uma certa grandeza, para impressionar quem quer que estivesse na outra extremidade da linha.
– Ótimo – disse uma voz impaciente, uma voz feminina, um tanto débil pela ansiedade. – Tive receio de não encontrá-lo em casa, de que o senhor tivesse saído.
– Por que pensou isso? – perguntou Poirot.
– Porque não posso deixar de achar que, nos dias de hoje, as coisas acontecem para nos frustrar. A gente precisa de alguém com urgência, sabe que não pode esperar e se tem de esperar. Precisava urgentemente do senhor, com absoluta urgência.
– E quem é você? – perguntou Hercule Poirot. A voz, que era de uma mulher, pareceu surpresa.
– Não me reconhece? – perguntou incredulamente.
– Ah, sim – respondeu Hercule Poirot –, é minha amiga Ariadne.
– Ah, estou num estado horrível.
– Sim, sim, percebe-se. A senhora estava correndo? A senhora está sem fôlego, não é?
– Não estava correndo. É emoção. Posso ir aí imediatamente? Poirot deixou passar alguns segundos antes de responder. Sua amiga, a Sra. Oliver, parecia muito excitada. Qualquer que fosse seu problema, passaria muito tempo a despejar suas queixas, suas mágoas, frustrações, enfim, tudo que a estivesse afligindo. Uma vez ali nos aposentos de Poirot, poderia ser difícil induzi-la a se retirar, sem uma certa dose de impolidez. As coisas que excitavam a Sra. Oliver eram tantas e frequentemente tão inesperadas, que era preciso muita arte para acompanhá-la."
[ ... ]
in A Noite das Bruxas de Agatha Christie]

sexta-feira, 24 de abril de 2020

domingo, 19 de abril de 2020

Sou para mim

Sou para mim
Domingos Pernias

Nada devo a ninguém
Incluo você também
que lê, até porque quer.
Sou poeta para mim,
escrevo a olho, sim,
sobre um tema qualquer.

Arrogante a dizer,
a me saisfazer,
sem mote, bem feliz.
Solto, nos versos sós,
como um fio em retrós,
que torci o quanto quis.


sábado, 18 de abril de 2020

Especialistas



“Minha própria observação – e isso é puramente pessoal – é que os especialistas não são particularmente grandes homens. Eles parecem ficar tão absorvidos em seus próprios experimentos que as considerações exteriores, mais amplas – considerações que influenciam jornalistas, advogados e estadistas – não os afetam significativamente. Eles parecem ser como especialistas em caligrafia, em um nível científico apenas um pouco mais elevado, mas há muito do mesmo tipo de conjectura e de incerteza em suas conclusões.”
                                            [in página 304 de O Diário de Jack, o Estripador de Shirley Harrison]








sexta-feira, 17 de abril de 2020

domingo, 12 de abril de 2020

Os Desaparecidos


Os Desaparecidos
Affonso Romano de Sant'Anna

De repente, naqueles dias, começaram
a desaparecer pessoas, estranhamente.
Desaparecia-se. Desaparecia-se muito
naqueles dias.

Ia-se colher a flor ofertada
e se esvanecia.
Eclipsava-se entre um endereço e outro
ou no táxi que se ia.
Culpado ou não, sumia-se
ao regressar do escritório ou da orgia.
Entre um trago de conhaque
e um aceno de mão, o bebedor sumia.
Evaporava o pai
ao encontro da filha que não via.
Mães segurando filhos e compras,
gestantes com tricots ou grupos de estudantes
desapareciam.
Desapareciam amantes em pleno beijo
e médicos em meio à cirurgia.
Mecânicos se diluiam
- mal ligavam o tôrno do dia.

Desaparecia-se. Desaparecia-se muito
naqueles dias.
Desaparecia-se a olhos vistos
e não era miopia. Desaparecia-se
até a primeira vista. Bastava
que alguém visse um desaparecido
e o desaparecido desaparecia.
Desaparecia o mais conspícuo
e o mais obscuro sumia.
Até deputados e presidentes esvaneciam.
Sacerdotes, igualmente, levitando
iam, rarefeitos, constatar no além,
como os pescadores partiam.

Desaparecia-se. Desaparecia-se muito
naqueles dias.
Os atores no palco
entre um gesto e outro, e os da platéia
enquanto riam.
Não, não era fácil ser poeta naqueles dias.
Porque os poetas, sobretudo
- desapareciam.

Se fosse ao tempo da Bíblia, eu diria
que carros de fogo arrebatavam os mais puros
em mística euforia. Não era. É ironia.
E os que estavam perto, em pânico, fingiam
que não viam. Se abstraíam.
Continuavam seu baralho a conversar demências
com o ausente, como se ele estivesse ali sorrindo
com suas roupas e dentes.

Em toda família à mesa havia
uma cadeira vazia, a qual se dirigiam.
Servia-se comida fria ao extinguido parente
e isto alimentava ficções
- nas salas e mentes
enquanto no palácio, remorsos vivos boiavam
- na sopa do presidente.

As flores olhando a cena, não compreendiam.
Indagavam dos pássaros, que emudeciam.
As janelas das casas, mal podiam crer
- no que viam.
As pedras, no entanto,
gravavam os nomes dos fantasmas
pois sabiam que quando chegasse a hora
por serem pedras, falariam.

O desaparecido é como um rio:
- se tem nascente, tem foz.
Se teve corpo, tem ou terá voz.
Não há verme que em sua fome
roa totalmente um nome. O nome
habita as vísceras da fera
como a vítima corrói o algoz.

E surgiam sinais precisos
de que os desaparecidos, cansados
de desaparecerem vivos
iam aparecer mesmo mortos
florescendo com seus corpos
a primavera de ossos.

Brotavam troncos de árvores,
rios, insetos e nuvens em cujo porte se viam
vestígios dos que sumiam.

Os desaparecidos, enfim,
amadureciam sua morte.

Desponta um dia uma tíbia
na crosta fria dos dias
e no subsolo da história
- coberto por duras botas,
faz-se amarga arqueologia.

A natureza, como a história,
segrega memória e vida
e cedo ou tarde desova
a verdade sobre a aurora.

Não há cova funda
que sepulte
- a rasa covardia.
Não há túmulo que oculte
os frutos da rebeldia.

Cai um dia em desgraça
a mais torpe ditadura
quando os vivos saem à praça
e os mortos da sepultura.





sábado, 11 de abril de 2020

Desestimulante

[ ... ]
"– Resolveu?
– Resolvi – disse Poirot, com mais melancolia do que orgulho. – Afinal de contas, não teve muita graça. Foi uma questão de 'remplacement' da faxineira habitual: a faxineira substituta, apesar da proibição formal, trouxe um filho com ela. Embora não tenha sido muito interessante, foi preciso desmascarar uma série de mentiras, camuflagens e tudo mais. A conclusão do caso foi satisfatória, digamos, mas não foi nada importante.
– É desestimulante.
– Enfin – disse Poirot –, sou despretensioso, mas não é preciso um espadim para cortar o barbante de um pacote.
Sacudi a cabeça, com ar solene. Poirot continuou:
– Tenho me ocupado ultimamente da leitura sobre vários mistérios reais que não foram solucionados. Dou-lhes minhas próprias soluções.
– Você se refere a casos como os assassinatos de Charles Bravo, Adelaide Bartlett e outros?
– Exatamente. Mas, de certo modo, eram muito fáceis. Não tenho a menor dúvida sobre quem matou Charles Bravo. A dama de companhia dele pode estar envolvida, mas certamente não foi a autora do crime. Assim como aquela adolescente infeliz, Constance Kent. O verdadeiro motivo que a levou a estrangular o irmãozinho que amava, sem dúvida alguma, sempre foi um mistério. Mas não para mim. Desvendei-o logo que li a história. Quanto a Lizzie Borden, é pena não se poder fazer umas perguntas a algumas das pessoas envolvidas. Sei perfeitamente quais seriam as respostas. Infelizmente, receio que todos já tenham morrido."
[ ... ]
[in Os Relógios de Agatha Christie]

sexta-feira, 10 de abril de 2020

Dios


"Dios ha muerto. Dios sigue muerto. Y nosotros lo hemos matado. ¿Cómo vamos a consolarnos, asesinos de todos los asesinos?   [Friedrich Nietzsche]



domingo, 5 de abril de 2020

Cuerpo de Mujer


Cuerpo de Mujer
Pablo Neruda


Cuerpo de mujer, blancas colinas,
muslos blancos, te pareces al
undo en tu actitud de entrega.
Mi cuerpo de labriego salvaje te
socava y hace saltar al hijo del
fondo de la tierra.

Fui solo como un tunel.
De mi huian los pajaros, y en mi la
noche entraba en su invasion poderosa.
Para sobrevivirme te forje como
un arma, como una flecha en mi
rco, como una piedra en mi honda.

Pero cae la hora de la venganza,
y te amo...
Cuerpo de piel, de musgo, de leche
avida y firme...
Ah los vasos del pecho!
Ah los ojos de ausencia!
Ah las rosas del pubis!
h tu voz lenta y triste!

Cuerpo de mujer mia, persistire
en tu gracia...
Mi sed, mi ansia sin limite, mi
camino indeciso!
Oscuros cauces donde la sed
eterna sigue, y la fatiga y
el dolor infinito.



sábado, 4 de abril de 2020

Porta

[ ... ]
"Abriu a porta...
Que era aquilo, a pender do gancho no teto? Uma corda com a laçada pronta? E uma cadeira para subir em cima... uma cadeira que podia ser derrubada com um pontapé...
Era aquilo o que Hugo queria...
E era isso, está claro, o que dizia o último verso:
Ele então se enforcou, e não ficou nenhum...
A figurinha de porcelana caiu-lhe da mão. Rolou desprezada e foi quebrar-se de encontro ao guarda-fogo da lareira.
Como um autômato, Vera avançou. Este era o fim... ali, onde a mão fria e molhada (a mão de Cyril, naturalmente), lhe tocara no pescoço...
Você pode ir até o penedo, Cyril...
Eis o que era assassinar... uma coisa tão fácil!
Mas, depois, a gente não parava de recordar-se...
Subiu na cadeira com os olhos fixos na sua frente, como uma sonâmbula... Ajustou o nó em torno do pescoço.
Hugo estava ali para tratar de que ela fizesse o que tinha de fazer.
Vera deu um pontapé na cadeira..."
[ ... ]
 [in O Caso dos Dez Negrinhos de Agatha Christie, mais recentemente rebatizado de Não sobrou nenhum]


sexta-feira, 3 de abril de 2020

Inventa


"Nadie inventa nada, porque todo está escrito en la naturaleza. La originalidad consiste en volver al origen." [Antonio Gaudí]