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"O portador desta carteira será protegido pelo sol, pela lua e pelas estrelas. Do leão terá a autoridade e dos pássaros a liberdade. Terá direito não só à árvore mais frondosa, como também à flor mais cheirosa. Será sábio e muito amado. Viverá com alegria a realidade e a fantasia. Será feliz." Esse passaporte da imaginação, impresso na carteirinha de sócio da extinta Toca do Pluft, é um retrato expressivo do mundo da fantasia, onde nada é proibido, e basta querer para acontecer. Mas será isso benéfico para a formação da criança?
Até que ponto a fantasia funciona como aliada ou um entrave ao desenvolvimento infantil?
Para a psicóloga Márcia Spada, a diminuição da fantasia impede que a criança lide com a realidade na medida em que ela tem uma realidade externa e uma interna. A primeira é apreendida através dos canais de percepção, e a outra é exatamente o seu mundo de fantasia. "Quanto mais a criança for exposta desde cedo a essas situações de fantasia, mais estimulada, mais fácil será para ela lidar com a realidade externa.
Crianças criadas muito no chão desenvolvem uma prontidão e um mecanismo de autocuidado, decorrentes de estarem sempre muito atentas, mas ficam mais fechadas e tristes porque não estão se expandindo naquela plenitude dos heróis de dentro delas. A fantasia a mais é melhor do que a fantasia a menos."
Na opinião de Márcia, você aliena uma criança se não permitir que ela viva a infância dentro dos limites da infância, quer dizer, viver a infância como um adulto seria desembocar na vida adulta de uma maneira bastante sombria, sem conseguir ter aquela esperança que, no momento de uma dificuldade, você tira não sabe de onde. Uma coisa bem onipotente de criança, que diz deixa que eu resolvo. "É aquela fantasia necessária para se conduzir na vida, uma reserva que vem da infância e que é essa coisa bonita do final feliz, do deixa que eu ajeito tudo, de um pai e de uma mãe que permitem que a criança deslanche. É a onipotência necessária, porque você vai abdicando da onipotência para poder sacar seus limites, mas, se você saca tudo muito bem apenas dentro de uma visão cognitiva, no momento da dificuldade vai fazer como?"
Para Márcia, os pais que não embarcam nem curtem as fantasias infantis expressam uma dificuldade em lidar com as próprias fantasias. É como se tivessem a sua própria criança mal alojada dentro deles, muito triste, reservada e sem amor." [Se todos um dia acreditassem em Papai Noel de Denise Pires Vaz in Desfile nº 219, dezembro de 1987]