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Imagem escaneada do texto, publicada em janeiro de 1972. |
Atenção!
Hoje, embora a ideia, de sábado, ser pequenos trechos de leituras, o texto apresentado é um trecho, mas, também, uma história completa... Já perdi a conta de quantas vezes li; é uma matéria publicada em janeiro de 1972. Mostra a criatividade dos festejos natalinos, não importa se rico ou pobre, o que vale é o Amor. Espero que gostem...
Aconteceu Naquele Natal
[Tess Van Sommers,
páginas 9-12, Seleções do Reader's Digest,
Tomo II, nº 8, janeiro de 1972]
Meu pai foi criado na Austrália pela avó
escocesa, uma imigrante calvinista que acreditava que celebrar o Natal com presentes
e festas era coisa do Demônio. Garotinho, meu pai acordava na
manhã de Natal com os gritos alegres das crianças da vizinhança mostrando seus
brinquedos novos. Para ele, era um dia igual a qualquer domingo.
Isso significava que, depois do
mingau salgado de aveia, ele podia ficar (sem fazer barulho) no jardim até à
hora de ir para a igreja. Depois do
interminável sermão, vinha o almoço frugal e a sesta. Á tarde, vestida com seu
melhor traje negro de viúva, minha avó sentava-se, dura como uma vara, e lia
alto o Velho Testamento ou o "Pilgrim’s Progress", com papai empoleirado num banco a seus pés. Era proibido mexer-se. O dia horrível acabava às seis da tarde com um jantar frio e dormia-se uma hora mais cedo que nos dias de semana. Papai ficava deitado, ruminando seus problemas. Não era consolo saber que em cima do guarda-roupa de mogno da avó estavam os presentes que lhe seriam dados na noite de Ano Bom. Vinha tudo com sete dias de atraso.
Assim que ele se tornou dono do seu próprio nariz, lançou-se às celebrações do Natal de um modo que só pode ser descrito como orgíaco. Dançava e brincava numa sucessão de alegres bailes e festas. Depois casou-se. Durante os oito anos em que fui filha única, papai encenou Natais de um esplendor e uma extravagância crescentes. Como se divertia!
Até aos meus cinco anos, com uma série de truques espetaculares, ele manteve-me convencida de que Papai Noel existia. Um ano, persuadiu um amigo com voz de baixo a ficar dizendo <<Ho, ho, ho!>> e entoando trechos de cânticos de Natal debaixo da janela do meu quarto, pouco antes do amanhecer. Outro ano, ele contratou um Papai Noel profissional para aparecer rapidamente pela casa, certificando-se de que eu estava acordada para espiar à distância a figura vestida de vermelho. Mas seu truque mais engenhoso foi fazer uma imensa pegada de neve diante da lareira da sala. Anos depois, eu soube que ele próprio havia feito a neve em nossa máquina manual de sorvete e modelado a forma pouco antes de eu entrar para pegar meus presentes em fronhas penduradas na prateleira da lareira.
Uma fronha não podia conter os meus presentes, e papai fazia questão de dar coisas que excediam as esperanças mais fantásticas. Por exemplo, quando pequena, eu adorava meias de Natal prontas, cornucópias de vistosas bugigangas japonesas, feitas de fitó vermelho. Um ano, papai deu-me uma meia que tinha quase metro e meio de altura, contendo luxos como uma raquete de tênis em miniatura e uma máquina fotográfica.
E depois havia a Árvore. A árvore de Natal de papai sempre me pareceu a coisa mais bonita, original e brilhante do mundo. Ele próprio comprava e arrumava os enfeites, e todos os anos eram novos. A beleza da árvore brotava milagrosamente sob os dedos de papai, e, quando as velas eram acesas, minha alma também se iluminava.
Raramente havia menos de 20 pessoas à nossa mesa de Natal. A comida era abundante e incluía um pudim tão grande que era preciso ajudar a criada a servi-lo. O champanha jorrava. Geralmente, eu era carregada, exausta, para a cama, antes que as nozes e o Porto fossem servidos. Meu dia acabava num delírio de bombons, chapéus enfeitados, papeizinhos com máximas, bolas, lanternas chinesas e montes de doces.
Quando eu tinha uns 10 anos, a Grande Crise atingiu-nos em cheio, e papai perdeu a maior parte dos proventos que recebia regularmente.
Para ele, isso foi um desafio e uma aventura. Um artista seu colega, que vivia no exterior, deixou-nos ir morar numa cabana no mato, que estava vazia havia anos. Nessa época, nossa família era composta de quatro pessoas, com minha madrasta e meu meio-irmão, com quase dois anos. Nós iríamos, anunciou papai alegremente, viver sobretudo da terra... ele era bom atirador e tinha jeito para fazer as coisas crescerem. Seria divertido.
Na animação do novo tipo de vida, eu quase me esqueci do Natal. Então, de repente, ele estava chegando. Papai fez uma reunião de família. Nós daríamos um jeito de arranjar uma festa, disse ele, mas não havia dinheiro para comprar presentes. Em vez disso, declarou papai, cada um daria aos outros uma das suas coisas.
A despesa com uma árvore de Natal estava fora de cogitação, eu sabia, e uma vez tinha ouvido um parente dizer que era absolutamente ridículo o dinheiro que Jack esbanjava nessas coisas. Eu não disse nada, mas a ideia entristeceu-me. Era meu primeiro contato com a pobreza.
Na Noite de Natal, pendurei uma meia para mim e outra para John, meu irmãozinho, mas sem muita alegria. A sala de visitas da nossa cabana parecia nua, chocante, sem qualquer enfeite de Natal. Fui triste para a cama e tive sonhos agitados.
Acordei cedo na manhã de Natal, mas, em vez de saltar da cama, fiquei deitada algum tempo olhando para o céu azul resplandecente e ouvindo o canto das gralhas. Então papai chamou-me: <<Venha ver uma coisa!>>
Na Noite de Natal, pendurei uma meia para mim e outra para John, meu irmãozinho, mas sem muita alegria. A sala de visitas da nossa cabana parecia nua, chocante, sem qualquer enfeite de Natal. Fui triste para a cama e tive sonhos agitados.
Acordei cedo na manhã de Natal, mas, em vez de saltar da cama, fiquei deitada algum tempo olhando para o céu azul resplandecente e ouvindo o canto das gralhas. Então papai chamou-me: <<Venha ver uma coisa!>>
Ainda hoje sinto uma onda de prazer recordando a alegria que tive no limiar da sala de visitas. Lá estava uma árvore!
Não um pinheiro, mas uma muda de eucalipto, pequena, esguia, cheia de ramos e folhuda, num barril de madeira. Os ramos estavam enfeitados com um sortimento surpreendente de coisas familiares, tudo contribuindo para sua cor e brilho: minhas inúmeras fitas de cabelo, atadas em laços elegantes, colheres de chá penduradas em cordões coloridos, festões de jóias falsas de minha madrasta (as verdadeiras tinham sido vendidas), pequenos ornamentos da casa, flores do jardim. Até as medalhas de guerra de papai, penduradas nos galhos do eucalipto pelas fitas irisadas, cintilavam ao sol forte que entrava pelas janelas da sala.
E, depois, os presentes! Papai não dissera nada sobre a gente fazer sacrifícios para dar presentes. Entretanto, eu decidira dar-lhe um canivetezinho de cabo de madre-pérola. Para minha madrasta, dei meu broche de marfim e, para John, minha boneca que dormia e falava, mas parecera-me errado dar a um menino uma boneca-menina, vestida em babadinhos cor-de-rosa, de modo que resolvi o problema deixando a boneca nua. Ela foi recebida entusiasticamente.
Papai deu ao bebê John uma escultura chinesa de um macaco que possuía desde a infância, dando à minha madrasta uma coisa numa caixinha velha de couro que nunca vi, mas que a fez chorar quando a abriu. Ela ofereceu-lhe um conjunto de cachecol de tricô que era dela. Serviu bem e ficou muito elegante nele no inverno seguinte. Minha madrasta deu-me um fio de contas de mosaico. O presente de papai para mim foi seu volume, encadernado em couro vermelho, dos poemas de Tennyson. Ainda hoje o livro se abre nos trechos favoritos dele.
Nossa árvore da Crise deu-me a maior experiência de Natal da minha vida. Ali, no umbral da porta da sala de visitas na roça. olhando extasiada, nunca me ocorreu comparar o eucalipto com seus elegantes predecessores. O que havia de maravilhoso - o milagre - era que, afinal, houvera uma árvore. Apesar de ser ainda criança, apreciei de todo o coração a engenhosidade que a produzira. Essa foi o legado mais importante que meu pai me deixou, a lição de que sempre se pode dar um jeito. Algo fora criado do nada. A derrota transformara-se em vitória. Daquele momento em diante, nunca duvidei de que isso poderia sempre ser feito desde que a gente contemplasse a vida desse modo.
Não um pinheiro, mas uma muda de eucalipto, pequena, esguia, cheia de ramos e folhuda, num barril de madeira. Os ramos estavam enfeitados com um sortimento surpreendente de coisas familiares, tudo contribuindo para sua cor e brilho: minhas inúmeras fitas de cabelo, atadas em laços elegantes, colheres de chá penduradas em cordões coloridos, festões de jóias falsas de minha madrasta (as verdadeiras tinham sido vendidas), pequenos ornamentos da casa, flores do jardim. Até as medalhas de guerra de papai, penduradas nos galhos do eucalipto pelas fitas irisadas, cintilavam ao sol forte que entrava pelas janelas da sala.
E, depois, os presentes! Papai não dissera nada sobre a gente fazer sacrifícios para dar presentes. Entretanto, eu decidira dar-lhe um canivetezinho de cabo de madre-pérola. Para minha madrasta, dei meu broche de marfim e, para John, minha boneca que dormia e falava, mas parecera-me errado dar a um menino uma boneca-menina, vestida em babadinhos cor-de-rosa, de modo que resolvi o problema deixando a boneca nua. Ela foi recebida entusiasticamente.
Papai deu ao bebê John uma escultura chinesa de um macaco que possuía desde a infância, dando à minha madrasta uma coisa numa caixinha velha de couro que nunca vi, mas que a fez chorar quando a abriu. Ela ofereceu-lhe um conjunto de cachecol de tricô que era dela. Serviu bem e ficou muito elegante nele no inverno seguinte. Minha madrasta deu-me um fio de contas de mosaico. O presente de papai para mim foi seu volume, encadernado em couro vermelho, dos poemas de Tennyson. Ainda hoje o livro se abre nos trechos favoritos dele.
Nossa árvore da Crise deu-me a maior experiência de Natal da minha vida. Ali, no umbral da porta da sala de visitas na roça. olhando extasiada, nunca me ocorreu comparar o eucalipto com seus elegantes predecessores. O que havia de maravilhoso - o milagre - era que, afinal, houvera uma árvore. Apesar de ser ainda criança, apreciei de todo o coração a engenhosidade que a produzira. Essa foi o legado mais importante que meu pai me deixou, a lição de que sempre se pode dar um jeito. Algo fora criado do nada. A derrota transformara-se em vitória. Daquele momento em diante, nunca duvidei de que isso poderia sempre ser feito desde que a gente contemplasse a vida desse modo.
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