sábado, 13 de agosto de 2016

Pai

Arquivo Pessoal



"Morrer não é tudo: é mister morrer a tempo. Mais tarde, eu me sentiria culpado; um órfão consciente de condena; deslumbrados com sua presença, os pais se retiram para seus apartamentos do céu. Eu, de minha parte, estava encantado: minha triste condição impunha respeito, fundava minha importância; eu incluía o meu luto entre as minhas virtudes. Meu pai tivera a gentileza de morrer erradamente: minha avó repetia que ele se furtara às suas obrigações; meu avô, justamente orgulhoso da longevidade Schweitzer, não admitia que ninguém desaparecesse aos trinta anos; à luz desse óbito suspeito, acabou duvidando que seu genro houvesse alguma vez existido e, por fim, esqueceu-o. Não precisei sequer esquecê-lo: safando-se à inglesa, Jean-Baptiste me recusara o prazer de conhece-lo. Ainda hoje, espanto-me do pouco que sei a seu respeito. No entanto, ele amou, quis viver, viu-se morrer; é quanto bata para fazer todo um homem. Mas em relação àquele homem, ninguém, em minha família, soube tornar-me curioso. Durante vários anos, pude ver, acima de meu leito, o retrato de um pequeno oficial de olhos cândidos, com o crânio redondo e pelado, de grandes bigodes: quando minha mãe voltou a casar, o retrato sumiu. Mais tarde, herdei livros que lhe tinham pertencido: uma obra de Le Dantec sobre o futuro da ciência, outro de Weber,, intitulado: Vers le positivisme par l'idéalisme absolu. Fazia más leituras, como todos os seus contemporâneos. Nas margens, descobri rabiscos indecifráveis, signos mortos de uma pequena iluminação que foi viva e bailante por volta de meu nascimento. [in As Palavras de Jean-Paul Sartre]






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